Arquivo para agosto, 2009

Escolhendo Entre Morrer e Dormir

Posted in contemporâneo on agosto 18, 2009 by érico

Acabo de sentir uma vontade de voltar a gostar de alguém. Lugar inadequado para isso, visto que estar em um bar cujo público são jovens caçadores não seria o melhor momento para por em prática tal objetivo. Já havia colocado na minha cabeça que não posso mais cair nisso. O ruim é sempre ter que recordar tudo que passei, deixando vívidas as lembranças a fim de evitar uma repetição. Criei um repúdio desta programação inata.

Peço mais uma cerveja no bar e pego um copo descartável. Limpo tudo com um guardanapo, como se isso viesse a evitar a tal gripe. É duro ser pesteado em tempos de pandemia. Me apoio no balcão e me dou conta que não estou cansado da ação de gostar. Estou cansado dos trâmites obrigatórios que os relacionamentos impõem. Desde a parte de conhecer família e perder os finais de semana até responder às cobranças e evitar o envio dos convites para gráfica. É isto que causa uma preguiça dinossaurica, que já é extremamente acentuada na carcaça deste que vos pensa.

Decido ir para casa. Entro no carro e dirijo automaticamente escutando um magrão gritar que já está na hora de algo estourar. Será que está? Seria bom. Abro a porta de casa e sinto o cheiro do cachorro. Claro que estou sendo extremamente gentil ao usar a palavra ‘cheiro’. Abro uma garrafa de coca-cola, sirvo um copo, olho para o cachorro e mando-o parar de feder. Ele me encara com cara de sono e não obedece. E ainda dizem que é o melhor amigo do homem.

Deito em minha cama sem escovar os dentes. Coloco a culpa nessa vontade que não quer passar. Surgem sensações de como era bom poder tirar fotos juntos, poder dizer que se tem alguém. Aquela coisa piegas de ter um porto seguro; alguém para confiar. Acho que esta vontade deve fazer parte de uma crise de abstinência. Afinal de contas, foram quase nove anos vivendo essa história. Essa história não, essas histórias. Foram vários começos e fins.

Relembrando esta parte, percebo que realmente estou é cansado de acreditar sem acreditar. De viver e se esforçar por algo que já tem seu final escrito. Então me pergunto: vale a pena? Pois hoje eu sei que se o sentimento não morre, certamente acaba dormindo. Como nos casamentos cômodos ou de aparências que nos cercam. Infelizmente parece que só podemos escolher entre morrer e dormir. Acredito que um terceiro caminho precisa ser inventado, porém, deitado aqui nesta cama, opto por dormir.

17-08-09

Te Cuida

Posted in velharia on agosto 4, 2009 by érico

“Te cuida”, foi o que falei, virei as costas e segui o caminho que há muito tempo tenho desenhado em minha mente. Não escutei uma resposta, algo como “tu também”, após minha fala. Isso não soou bem. Desde tempos remotos tenho o costume de pedir para que as pessoas se cuidem, principalmente em despedidas. Entre as inúmeras formas de se despedir de alguém, elegi esta como a mais completa. Desde que nascemos estamos sozinhos por aí, vagando. Claro que existem pessoas que estiveram e estão ao nosso redor o tempo inteiro, mas, quando as coisas estão realmente difíceis, só temos uma pessoa a quem podemos recorrer. Nós mesmos.

Quem mais poderia te cuidar numa situação complicada? Quem mais poderia te ajudar a mediar palavras e tomar as decisões mais corretas? Claro que neste momento se refletem as pessoas que pensei a pouco, as pessoas que te moldaram. Afinal de contas, desde o início somos como argila. Aos poucos vamos tomando forma ou formando um caráter. Chame como quiser. Mas é disso que você e eu dependemos. Então meu amigo, sempre é bom relembrar, te cuida, porque não tem ninguém por ti.

Todos os dias faço este mesmo caminho, e todos os dias olho para essa casa. É um antigo sobrado onde mora um grande amigo. Procuro encontrá-lo na janela ou pela porta. Sem sucesso. Sempre nos cumprimentamos com um ligeiro “ooop”, uma abreviação do “opa”. É inquietante perceber como estas coisas se formam. Entre amigos isso surge naturalmente, tudo que surge naturalmente pode ser considerado puro. Essa é a essência.

Às vezes, enquanto caminho, me pego olhando para meus próprios tênis. Este costume não é bom, por então me manter de cabeça baixa. Pessoas de cabeça baixa não passam uma boa impressão. Mas fico ali decidindo se piso nas linhas ou não, se piso no branco ou no preto. Decisões fúteis que acabam criando uma importância enorme naquele mundo momentâneo criado entre a conversa com alguém e o chegar em casa. Um ruído quebra a linha…

Alguém tocou o interfone do prédio que estou passando na frente. Entre a conversa rápida onde participam alguém de sobretudo e o interfone, escuto um “beijos, te amo”. Quantos “beijos, te amo” já escutei e já repeti em minha vida? Por mais curta que tenha sido ela até então. Quando se começa a sair com uma pessoa podemos dizer ao se despedir, “te cuida, beijos”. Depois passamos a um “te quero, beijos”… E assim segue até chegarmos ao ápice. “Te amo, beijos.”

Seria o “te amo”, um “te cuida” melhorado? Ou de tanto falar, o te amo perdeu o sentido? Se igualando a um simples tchau? Acredito que realmente este tenha sido o destino. Somente agora consigo perceber quantas vezes disse isso em vão. Falei por falar. Poderia ter dito “te cuida”, valeria mais do que um te amo simplesmente exteriorizado para fazer alguém se sentir mais confortável. Pobres pessoas que se acomodaram em uma posição cômoda demais.

Sair disso não deve ser nada fácil. Agora que percebi o quanto estou acostumado a lidar com o te amo como um tchau, sinto que sair disso não será uma tarefa simples. Como seria começar a falar “eu te amo” somente nos momentos que exigirem essa expressão? Parar de dizer todos os dias. Posso sempre ver a pessoa amada, mas não é sempre que estamos dispostos a colocar para fora nossos sentimentos. Que tal deixar sair sem querer? Quando não aguentar mais manter isso dentro de ti. Cai sem querer, pertence ao agora. O “eu te amo” volta a ser algo puro. Coisas que acontecem no momento, sem querer, expressam a verdade absoluta. Se você pensou um pouco para falar, se hesitou, já faz parte do passado. Esqueça.

Nunca foi uma tarefa fácil aceitar e conviver com o novo. Ele costuma nos causar medo. Como seria, a partir de agora, viver cada segundo com a intensidade que o novo implica? Viver sem saber onde vai dar. Todos nós deveríamos agir assim. É… deveríamos. Nos acostumamos a robotizar o dia-a-dia. O pior de tudo é que estou incluso. Até então eu era apenas mais uma pessoa simplesmente programada para fazer as obrigações de sempre. Era? Teria eu saído disto apenas por me dar conta? Não… não. Desprogramar exige um esforço muito maior.

Seria interessante começar pelos detalhes que percebi a pouco. Começar a dizer “te cuida” porque realmente quero que aquela pessoa se cuide. E, dizer “eu te amo”, porque realmente amo. Teria lógica isso? Mas o que quero dizer é que estas expressões devem ser utilizadas no momento certo, quando saírem de dentro como algo incontrolável. O ruim de normatizar as coisas é que o controle se estabelece. E destes sentimentos não devemos ter controle. Abro a portão com minha chave e o mantenho aberto, um antigo vizinho se apressa para pegar a carona. Escuto “muito obrigado rapaz, te cuida!”. Respondo, “de nada”.

2007