Era mais um dia normal na vida de Rodrigo. Estava indo para o trabalho, ainda um pouco sonolento, quando percebeu a saveiro ao seu lado passando por cima de uma lombada. Ela teve que entrar um pouco de lado e bem devagar, senão o rebaixamento desta faria a parte de baixo raspar. Pensou que este incômodo não valia a suposta beleza de ter um carro socado no chão. Chegou à rodoviária e ligou o computador. Enquanto o Windows 95 carregava, pensou na ironia de trabalhar vendendo passagens e nunca ter viajado para lugar algum.
Rodrigo era responsável pela venda de bilhetes para três pequenas cidades. Acabava assim marcando o nome das pessoas. Mesmo sendo um sujeito retraído, conseguiu fazer algumas amizades. Isso ajudava o tempo a passar. Nesta mesma semana ele havia sido surpreendido por seus colegas de trabalho. Apareceram com um pequeno bolo. Rodrigo estava completando dez anos de trabalho naquela empresa. Até então ele não havia se dado conta disso.
Quando comentou feliz com sua mulher sobre a homenagem, ela apenas falou: “10 anos fazendo a mesma merda”. A reclamação da falta de ambição de Rodrigo era contínua por parte dela. Ele apenas se defendia afirmando que o mundo precisava de pessoas como ele. Ocultava a falta de audácia afirmando que amava o seu trabalho. Voltou para a realidade com o cheiro do banheiro invadindo mais uma vez o seu guichê. Pegou o Bom Ar e borrifou em sua pequena sala. Quando olhou para o balcão, havia um casal aguardando atendimento. Forçou os olhos e lembrou-se daquelas pessoas. Era um casal de namorados que não comprava bilhetes ali faziam pelo menos uns oito anos.
Perguntou para aquelas pessoas e teve sua comprovação. Realmente eram eles. O casal falou que recentemente haviam retomado o namoro. Neste momento Rodrigo teve um ímpeto de felicidade. Não por eles terem voltado, mas sim, por acreditar que ambos ficaram na esperança de se reencontrarem por anos, apenas esperando. Identificou-se com eles. Eram pessoas que também haviam paralisado no tempo fazendo a mesma coisa. Eles aguardando a volta do amor, e ele vendendo passagens.
Tais pensamentos se dissolveram quando a dupla continuou falando. O rapaz já havia morado em três estados do país vendendo ração para gatos. Ela recém havia voltado da Nova Zelândia, onde foi fazer um mestrado. Foi a coincidência de se reencontrarem nas cidades de origem que propiciou o retorno. Percebeu, sem a necessidade de um desenho, que um não havia ficado esperando o outro. E o principal, que fizeram muitas coisas até retornar para estas cidades. Rodrigo vendeu a passagem, fechou o guichê e foi embora. Percebeu que a simples sensação diária de missão cumprida não bastava mais. Decidiu fazer algo de sua vida antes que o peso da terra não permita mais. Seu primeiro passo seria o sabor de esfregar na cara da esposa a viagem que ele havia decidido fazer.
31/07/2011