Rodrigo sai do coma

Posted in contemporâneo on agosto 1, 2011 by érico

Era mais um dia normal na vida de Rodrigo. Estava indo para o trabalho, ainda um pouco sonolento, quando percebeu a saveiro ao seu lado passando por cima de uma lombada. Ela teve que entrar um pouco de lado e bem devagar, senão o rebaixamento desta faria a parte de baixo raspar. Pensou que este incômodo não valia a suposta beleza de ter um carro socado no chão.  Chegou à rodoviária e ligou o computador. Enquanto o Windows 95 carregava, pensou na ironia de trabalhar vendendo passagens e nunca ter viajado para lugar algum.

Rodrigo era responsável pela venda de bilhetes para três pequenas cidades. Acabava assim marcando o nome das pessoas. Mesmo sendo um sujeito retraído, conseguiu fazer algumas amizades. Isso ajudava o tempo a passar. Nesta mesma semana ele havia sido surpreendido por seus colegas de trabalho. Apareceram com um pequeno bolo. Rodrigo estava completando dez anos de trabalho naquela empresa. Até então ele não havia se dado conta disso.

Quando comentou feliz com sua mulher sobre a homenagem, ela apenas falou: “10 anos fazendo a mesma merda”. A reclamação da falta de ambição de Rodrigo era contínua por parte dela. Ele apenas se defendia afirmando que o mundo precisava de pessoas como ele. Ocultava a falta de audácia afirmando que amava o seu trabalho. Voltou para a realidade com o cheiro do banheiro invadindo mais uma vez o seu guichê. Pegou o Bom Ar e borrifou em sua pequena sala. Quando olhou para o balcão, havia um casal aguardando atendimento. Forçou os olhos e lembrou-se daquelas pessoas. Era um casal de namorados que não comprava bilhetes ali faziam pelo menos uns oito anos.

Perguntou para aquelas pessoas e teve sua comprovação. Realmente eram eles. O casal falou que recentemente haviam retomado o namoro. Neste momento Rodrigo teve um ímpeto de felicidade. Não por eles terem voltado, mas sim, por acreditar que ambos ficaram na esperança de se reencontrarem por anos, apenas esperando. Identificou-se com eles. Eram pessoas que também haviam paralisado no tempo fazendo a mesma coisa. Eles aguardando a volta do amor, e ele vendendo passagens.

Tais pensamentos se dissolveram quando a dupla continuou falando. O rapaz já havia morado em três estados do país vendendo ração para gatos. Ela recém havia voltado da Nova Zelândia, onde foi fazer um mestrado. Foi a coincidência de se reencontrarem nas cidades de origem que propiciou o retorno. Percebeu, sem a necessidade de um desenho, que um não havia ficado esperando o outro. E o principal, que fizeram muitas coisas até retornar para estas cidades. Rodrigo vendeu a passagem, fechou o guichê e foi embora. Percebeu que a simples sensação diária de missão cumprida não bastava mais. Decidiu fazer algo de sua vida antes que o peso da terra não permita mais. Seu primeiro passo seria o sabor de esfregar na cara da esposa a viagem que ele havia decidido fazer.

31/07/2011

Juarez nasceu para quê?

Posted in contemporâneo on junho 20, 2011 by érico

Lá estava Juarez em mais uma festa do seu departamento. Segurava um copo de cerveja enquanto assistia os comentários sobre coisas corriqueiras do trabalho. Impressionava-se sobre como todos só falavam sobre trabalho. Ele queria falar de outras coisas, porém, seus únicos conhecidos eram pessoas de lá. Subitamente uma música diferente começa a tocar. “Born to be Wild” interrompe a sequência das músicas insossas dos anos 80. Para Juarez, o rock brasileiro desta época poderia ter ficado por casa, sem problemas.

Por culpa da música, ficou se questionando a respeito de propósitos. Nascido para quê? Perguntou-se. Ser selvagem é que não foi. Olhou para os amigos e entendeu que alguns nascem para serem figurantes. Quem se importa com alguém que trabalha numa loja de materiais de construção? Ninguém. Nascido para não ser marcante. Sua radicalidade às vezes o assustava. Sentou em frente à televisão, pois suas pernas já estavam doendo. Juarez não gostava das novas sensações que a idade estava trazendo.

Sua cerveja terminou. Nascido para que mesmo? Na televisão percebe que a criatividade anda em baixa. Uma propaganda da Oi onde um nenê fala algo que está no jornal mostra que tal empresa trocou de agência publicitária. Logo em seguida, decide que jamais fará o desafio Harpic. Nascido para ser sem graça. Levanta para pegar mais uma lata. Encontra Rosana, seu amor platônico de sete anos. Cumprimenta meio sem graça. Ela mais uma vez demonstra com o olhar que ele deveria tentar algo. Porém, Juarez segue seu caminho para o freezer. Nascido para ser cagão.

Vai para a sacada. Aproveita que os fumantes estão fazendo qualquer outra coisa. Olha para o movimento dos carros e se pergunta se um dia conseguirá comprar um. Nascido para ser pobre. Toma a cerveja de forma amorosa, tenta aproveitar cada gota. Olha para dentro do apartamento e não vê ninguém com quem poderia iniciar uma conversa interessante. Lembra que neste exato momento está passando Rei do Gado na Globo. Deseja estar em casa. Relembra que em sua casa ninguém o espera. Só a televisão. Ninguém nunca o espera. Percebe que ninguém o esperava para esta festa. Decide ir embora. Atravessa a sala e sai. Ninguém percebe. Encosta-se na parada de ônibus. Percebe que o sereno o deixará gripado. Olha para seus pés e afirma: Nascido para ser sozinho.

19/06/2011

Joana Não Gostava de Aniversários

Posted in contemporâneo on junho 1, 2011 by érico

Joana estava fazendo 47 anos de idade. Acordou em dúvida se comemorava ou não. A graça por este tipo de data já havia passado da validade. Levantou-se vagarosamente e trocou de roupa para ir trabalhar. Os 25 anos de carreira como doméstica já haviam debilitado boa parte de sua saúde. Possuía uma dor crônica nas costas que já não permitia trabalhos mais pesados. O auge do seu dia era sentir o cheiro do feijão enquanto cozinhava. Porém, o fato de ter de experimentá-lo somente após a patroa e sua família a entristecia diariamente.

Encostou sua bicicleta como de costume e entrou na casa onde trabalhava. Trocou de roupa no mesmo ritmo e iniciou suas atividades. Mal havia começado e deparou-se com um pote de Vanish – Poder O² entre seus artefatos de limpeza. Uma felicidade súbita tomou conta de seu corpo. Saberia sua chefa de seu aniversário? Imediatamente trocou a limpeza dos banheiros pelas roupas. Queria testar o novo produto que só conhecia através das propagandas que passavam durante as novelas.

Entre as roupas sujas, encontrou uma camiseta do seu Aurélio com manchas de vinho. Ideal para o teste. Selecionou outras roupas brancas e colocou tudo na máquina. Como não sabia ler, baseou-se nos desenhos que estavam estampados no pote para entender qual a forma de uso. Lembrou que deveria ter prestado mais atenção quando o filho de seu Aurélio tentou ensiná-la a ler. Enquanto a máquina girava, começou a pensar em chamar suas amigas para ir até sua casa a noite. Pensou em fazer o sacrifício de comprar algumas coxinhas e pasteizinhos para celebrar os quase 30 anos que não comemorava um aniversário. Conseguiu, enfim, sentir-se valorizada.

Esperando pelo resultado, foi arrumar as camas. Deparou-se com sua patroa escovando os dentes que logo disparou: “Comprei aquele negócio rosa! Vamos ver se funciona. Mas economiza tá? É muito caro aquilo”. Ao invés do aguardado parabéns, recebeu um banho de água fria. Visualizou sua autoestima de antes descer junto com água da máquina de lavar roupas. A tal mancha de vinho saiu, as outras também. Mas e daí? Sentindo o cheiro do feijão, que hoje recebeu lágrimas como tempero especial, desistiu de comemorar os 47 anos de esquecimento.

01/06/2011

Ouro de Tolo

Posted in contemporâneo on maio 22, 2011 by érico

Um dia como este deveria me remeter à alegria. Sinto que poderia e mereceria estar contente, mas não estou. Tudo bem que tenho um emprego e até sou reconhecido por isso. Não reclamo, porém, não parece suficiente. Por vezes me falam, “olha só, já deve estar rico”. Certamente também entendo o peso do dinheiro. Mas e daí?

Se eu fizesse parte de alguma igreja ou religião agradeceria de forma convicta tudo o que ganhei. Ou conquistei? Enfim, agradeceria sem pestanejar. Lembro de quando consegui comprar meu carro. O primeiro carro. Esperei muito tempo por isso e assistir a graça desta conquista adormecer no mesmo instante que saí da concessionária foi demais para mim. A graça se foi. Pelo menos fiquei com a comodidade que tem me feito engordar.

Gostaria de levantar e me sentir alegre. Olhar para o sol e este funcionar como um grande motivador que me faria continuar lutando por tudo que almejo. A vinda para esta cidade foi muito difícil e hoje, olhando para tudo que meus pais conseguiram alcançar, percebo o quanto valeu a pena. Imagino que não tenha sido fácil ter que economizar comida ou tomar banho de caneca.

Eu realmente deveria estar feliz. Mas não seria a felicidade uma piada de mau gosto? As pessoas que simplesmente sorriem sem saber de onde vem a graça não mereceriam conhecer este sabor. Trata-se de um ciclo. Um ciclo perigoso que nos mantém em uma corrida incansável atrás da dita felicidade. Preciso confessar que a sequência de conquistas apenas me trouxe um sentimento: decepção. A facilidade destas vitórias só me trouxe mais sede. Sede de novas conquistas que infelizmente, ou felizmente, não me permitem ficar parado.

Hoje trabalho duro durante a semana para poder aproveitar um pouco o sábado e o domingo. Poder ir a algum parque de diversão ou zoológico são lazeres que antes não pensava por na prática. Porém, não consigo achar nada disto engraçado. Acabei me tornando um cara extremamente chato. Macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco.

É irônico sentir-se um idiota limitado em um belo dia como este. No entanto, é assim que me sinto ao olhar-me no espelho do banheiro. O meu reflexo apenas me lembra que ainda não fiz nada de tudo que poderia fazer. Isto vai de encontro direto com o nosso conformismo do dia a dia. Acreditar que se é um padeiro, policial, advogado ou médico e isto bastar para conduzir a vida até o fim.

Troco minha roupa e decido que hoje tentarei fazer diferente. Não vou ficar simplesmente sentado esperando para ver o que acontecerá. É isto que a rotina quer. É isso que todos querem. Como o sol falhou, preciso utilizar o fato de ser um chato insatisfeito como algo que me impulsione a não querer ficar sentado com a boca cheia de dentes esperando que a morte me leve. É o saber e o conhecimento sobre tudo que ainda precisa ser desvendado que não me deixará ficar na inércia. É aquela sede que me fará, inclusive, perder o medo de alienígenas. A sede do novo.

21/05/2011

Perdendo Joey Ramone

Posted in contemporâneo on abril 16, 2011 by érico

Acordo ainda sem saber direito em que continente estou. Coço os olhos e tento focar quem é a pessoa que insiste em me acordar. É um primo meu. Deve ser a primeira vez que sou acordado por ele. Sou indagado sobre uma possível volta dos Ramones. Estranho. Explico que na última matéria da Rock Brigade haviam falado sobre uma possível chance deles voltarem, caso o vocalista se recuperasse do linfoma que estava enfrentando. Ele então pergunta sobre o estado de saúde dele, respondo que havia rumores de que ele estava melhorando. Então sou surpreendido por sua afirmação – Ele morreu ontem.

Com a cabeça baixa, insisto em não acreditar. Levanto, troco de roupa rapidamente e corro para a faculdade. O ônibus demora a chegar. Preciso confirmar isso na internet. Ainda não acredito. Tudo parece mais lento, exceto meus pensamentos, que voam na minha frente. Quando chego ao computador recebo a realidade como uma pedra renal atravessando a uretra. O teclado não consegue entender a palavra que escrevo ao encostar a testa nele. Levanto sem saber o que fazer. Recém voltei do Paraná e minha vontade é de voltar pra lá neste exato momento. O peso de saber que a voz que escuto todos os dias calou-se para sempre é demais. A voz que me ensinou a gritar está muda. Caminho pela grama aparada da universidade e decido fazer uma ligação. Minha mãe atende. As lágrimas correm. Ela tenta me acalmar.

15/04/2011

O Tempo Para Sim

Posted in contemporâneo on abril 8, 2011 by érico

Nunca escrevi meu nome em uma caneta. Em locais de trabalho pessoas tem esse costume. A caneta se torna um objeto de cobiça ou poder. De quem é a caneta? Tanto faz. Se quiser sacanear, é só roubar a caneta de alguém. Algumas até ficam amarradas em um barbante. Se pelo menos o computador conectasse na rede wireless que fica apitando ali no canto. O som que toca na sala ao lado eu não consigo identificar, mas não é uma boa música. Dificilmente o que toca em rádios pode ser considerado bom. Lembro de uma amiga que ontem disse não entender porque me preocupo tanto com o gosto musical de quem penso conhecer. Mal sabe ela da importância disso aqui dentro.

Cazuza pensaria duas vezes antes de falar que o tempo não para se trabalhasse aqui. Já o cara que escreveu Peter Pan certamente conhece o lugar. A parte boa de ser funcionário público é que, deu 17h30, tu larga o que está fazendo e vai embora. Vejo amigos que levam problemas do trabalho para casa. Eu não, meu único problema é o tempo que não passa. E a angústia. Ela eu levo junto também. Levanto a cabeça e contabilizo 4 funcionários jogando paciência spider e um jogando pinball. Prefiro a hipnose dos ponteiros. Eles chegam onde quero. Lembro o Forrest Gump de tão rápido que saio lá de dentro.

Chego em minha casa e em menos de 15 segundos já estou só de bermuda. Sento em meu sofá que abriga uma colônia de baratas em seu interior e ligo a televisão. Malhação era mais interessante na época da Joana. Abro a lata de Sprite que comprei no caminho e percebo que já esquentou. Sentado sem fazer nada, olho para a televisão. Então olho para o copo e depois para o chão, que está muito sujo. Percebo que estou sozinho. Seguro minha cabeça na tentativa de segurar a angústia que me invade como fez Neo para matar Smith. O pior de tudo é que sei porque ela aparece. Ela vem para me lembrar que preciso de objetivos. Preciso de algo para lutar, algo para almejar. Não é coincidência ela aparecer justamente quando preciso ficar comigo mesmo. A cabeça baixa tem me deixado cada vez mais próximo do chão.

Parece que arranjei uma nova amiga. Ela me acompanha durante o trabalho, querendo ir embora para casa. Quando chego em casa, parece que senta ao meu lado e fica sussurrando em meu ouvido que não posso ficar sem pensar. Seria um luxo mesmo, desligar-me alguns minutos. O pior de tudo é perceber que ela, a amiga angústia, fica incomodando a semana toda esperando chegar sábado e domingo. Mas e quando os tais dias chegam o que acontece? Nada. Porque não tenho nada para fazer. E então ela sente-se humana e começa fazer uso do meu velho sofá. Não parece importar-se com o cheiro das baratas. Fica ali, me olhando.

Hoje é quinta-feira. Falta um dia para o final de semana. Acho que vou fazer uma festa com todos meus amigos. O bom é que não preciso nem convidar. Estão sempre aqui: a angústia, as baratas, a preguiça e claro, meu melhor amigo, o chão.

07/04/2011

Os Três Lados da Moeda

Posted in contemporâneo on abril 5, 2011 by érico

Juarez – Eu não vou conseguir guardar este segredo!

Mestre – Você foi treinado para isso, como não poderia conseguir?

Juarez – Eu sei que fui treinado, mas digo… é justo?

Mestre – Você se refere a qual justiça?

Juarez – Com a humanidade! Não é justo com eles! Todos deveriam saber!

Mestre – Juarez, vou tentar te explicar… A sociedade é dividida em três partes.

Mestre – Existem aqueles quem detém o conhecimento, aqueles que se questionam sobre o conhecimento e aqueles que não fazem idéia da existência dele.

Mestre – Aqueles que não fazem idéia são os que fazem a roda girar. Eles que simplesmente aceitam tudo que é necessário para que o ciclo possa ter continuidade.

Juarez – E quem são estes que se questionam?

Mestre- Bem Juarez, você deveria saber. Você costumava ser um deles. Nós percebemos em você potencialidade para dar continuidade a nossa peregrinação. Por isso você entrou aqui e, após todos os testes necessários, hoje recebeu o dom do conhecimento.

Juarez – E aqueles que vocês não chamam?

Mestre – Ficam perdidos entre suas próprias perguntas. Apenas os escolhidos poderão perceber a dimensão do poder do conhecimento.  É preciso de muito autocontrole.

Juarez – Mas é errado!  Todos deveriam saber! Desculpe, mas preciso insistir nisso.

Mestre – A massa existe desde os egípcios, por que você mudaria isso agora? Você não entende por que os escravos construíram as pirâmides sem questionar? Ou por que os alemães obedeceram a Hitler de forma incontestável? Ou por que todos apreciam o que passa na televisão e rádio hoje em dia? A massa não pensante é necessária, Juarez.

Juarez – Mas eles mudariam se soubessem!

Mestre – Você acha mesmo que as pessoas que simplesmente aceitam tudo que lhe é imposto conseguiriam mudar? Preste atenção em todo o lixo que é aceito hoje e terá sua resposta. O povo não se questiona! Você acredita mesmo que uma pessoa que gosta de Big Brother suportaria saber a verdade?

Juarez – Entendo como um direito. Se vão conseguir lidar é problema deles. Não acredito que fiz parte disto o tempo todo!

Mestre – Juarez, tenha calma. Agora que você sabe que faz parte de uma ficção inventada a centenas de anos, acha mesmo que conseguirá voltar?

Juarez – Eu não quero voltar. Entenda você agora! Eu não acho justo ver as pessoas rezando, comprando ou até mesmo amando sabendo que tudo é uma mentira!

Mestre – Mas agora você pode aproveitar isso para conseguir o que quiser. Não percebe? É assim que sempre nos mantemos no poder. Você mesmo viu nossos símbolos por toda parte. Você realmente não quer fazer parte disso?

Juarez – Mestre, isso não é humano. Por favor, me ajude a mostrar a verdade para todos.

Mestre – Rômulo! Juarez falhou. Leve-o para a sala escura.

04/04/2011

Juarez Tinha Medo de Gozar

Posted in contemporâneo on março 28, 2011 by érico

Juarez encontrava-se cada vez mais só. Mesmo quando percebia seu celular vibrar, apenas ficava lendo “mãe” repetidamente. Não queria atender. Acabou isolando-se na esperança de não precisar falar sobre o que acontecia com ele. O medo de um dia revelar tal segredo era devastador. Preferia se encolher buscando o mínimo de abalo em sua mente. No trabalho só falava quando alguém puxava conversa, senão ficava imóvel e mudo apenas calculando o imposto de renda de desconhecidos.

Tornou-se rotina chegar em casa após o trabalho e sentar na sacada do seu prédio, já surrado pelo tempo. Aprendeu a reservar um espaço para tentar organizar as idéias e descobrir onde tudo começou. Busca incessante que parece não ter fim. Por vezes, desiste devido ao barulho de um obeso vizinho no apartamento ao lado que joga Guitar Hero todos os dias. Em outros momentos apenas adormece em sua cadeira de praia que nunca viu o mar.

Em um destes devaneios conseguiu relembrar a primeira vez que tal sentimento o invadiu. Foi com sua segunda namorada. Recordou que na primeira vez que foram fazer sexo, após 2 meses de espera, ao finalizar o ato sentiu um vazio muito grande; comparável a um buraco negro. Achou que ia perder o controle. Sentiu a realidade da miséria psíquica acertar-lhe no rosto como uma tijolada. Aquela sensação de estarmos totalmente sozinhos, que é praticamente ignorada por todos, nunca foi tão palpável. Sentiu vontade de correr, mas ficou ali ao lado dela, como se nada estivesse acontecendo.

Após sentir o vazio correr por suas veias, Juarez começou a ter receio de que pudesse acontecer novamente. E aconteceu. Toda vez que ele se rendia aos prazeres carnais acabava sendo submetido a uma experiência que o fazia desejar não ter descoberto a sexualidade. Ficava olhando para o teto, ou para seu reflexo, sentindo que na verdade tudo o que se sentia e fazia não passava de uma peça teatral dirigida por ninguém. Em uma ficção onde uns acreditam que são padeiros ou juízes, Juarez sabia que esta maquiagem que servia para cobrir as cicatrizes da realidade não passava de um engodo. Não o convencia mais.

Decidido a dar uma nova chance para sua vida, Juarez liga para a ex-namorada e a convida para sair. Ela aceita. Após todo o ritual que precede seu maior medo, como um jantar ou cinema, o casal encontrava-se em um simplório motel da cidade. Já fazia dois anos que uma nova tentativa não era colocada em prática. Mesmo sem ter feito nada que pudesse promover uma melhora, acreditava que após tanto tempo algo poderia ter mudado. Porém, após gozar, sentiu novamente seu sangue se transformar em areia de deserto. Antes fosse areia de praia, pensou. Iluminado apenas por luzes vermelhas e verdes sentiu mais uma vez que não gostava de ninguém.

Visualizou a impossibilidade de gostar e amar alguém que acredita nisso tudo que está em vigor. Juarez conseguiu perceber que todos, sem exceção, dançam a mesma música, menos ele, que tinha medo de gozar. Porém, concomitante com a dor, uma nova idéia emergiu sem precedentes. Pensou que sua única solução seria iniciar uma busca. É preciso encontrar alguém que compartilhasse a mesma visão, a mesma percepção. A cura de seu medo seria alguém que pensasse como ele. Ao virar para o lado, percebeu que sua ex-namorada conseguia dormir. Ou seja, estava acomodada neste mundo de mentira. Percebendo que não era isto que buscava, levantou-se e foi embora a pé.

30/01/2011

 

A Saudade de um Nascer

Posted in contemporâneo on março 23, 2011 by érico

E tirando o peso da via láctea de minhas costas o médico afirma que não é câncer. Respiro aliviado. Há alguns meses havia encontrado um caroço no pescoço que definitivamente estava me impedindo de ter uma boa noite de sono. Não por seu tamanho, mas pela possibilidade de ser algo grave. Quando indago sobre a chance daquela bolinha se tornar câncer o médico diz: “O que é câncer já nasce câncer”. Frase que acaba ficando marcada. Despeço-me e vou para a sala de espera. Pego um copo d’água e sinto cheiro de detergente no copo. Desisto e vou em direção ao carro. Ligo o som com um sorriso estampado e vou embora.

Eu realmente achei que dessa não escaparia. De certa forma já havia bloqueado planos futuros bem como qualquer possibilidade de correr atrás de meu desejo. Justamente por acreditar que não teria sentido. Uma possível doença havia tomado todo o espaço. Agora me deparo com a necessidade de retomar tudo isto novamente. Preciso fazer com que as roldanas da vida voltem a se movimentar. Algo que inclui trabalho, amigos, família, música e amor. Amor? O velho pessimismo salta aos olhos como em um trem fantasma me fazendo engolir o ingênuo sorriso de antes. Não o trem fantasma da Expobel, claro.

Estaciono e vejo que tenho tempo de sobra antes de começar a trabalhar. Decido alugar um filme. Entro na locadora e procuro por algo que me faça desligar. Sinto que meu desânimo se deve ao fracasso constante no amor. A velha mãe preguiça abana de longe. Lembro do que o médico falou: aquilo que é já nasce como tal. Será que tenho tentado transformar em amor aquilo que nem se parece com ele? Olho para trás com certo receio e comprovo que sim, cometi o erro de ficar esperando que uma planta pudesse nascer no meio do asfalto. E o pior é que nestas tentativas acabei trazendo sofrimento não só para mim, mas para quem compartilhou a espera.

O raciocínio se vai quando ouço a guria da locadora desqualificar o filme “Death Proof” e sugerir “Mamma Mia!” para um cliente. Sugestões de locadora deveriam ser proibidas. Opto por Scott Pilgrin e me retiro do local. Ao pisar novamente sobre os paralelepípedos me vem a lembrança como os sentimentos mais sinceros surgiram no passado. Fico pasmo por ser tão tardia a compreensão de que o amor só é amor quando nasce como tal. Exceto em Friends, que não conta. E o pior é que esta associação só foi possível com uma comparação ao câncer. Amor e câncer? Bem, se considerarmos o fato de nascer como tal e que é algo difícil de superar quando acaba, temos uma boa analogia.

Atravesso a rua para entrar no elevador. A dúvida agora não é a de como reconhecer o amor quando ele surge, mas sim, esmiuçar o que propicia o tal surgimento. Enxergo-me no espelho do elevador. Será que procuro alguém semelhante a mim? Não, isso não. Acredito que é preciso procurar alguém que tenha algumas semelhanças, algumas afinidades e não alguém idêntico. Deve existir um ponto chave, algo essencial do encaixe. Sento em minha cadeira e ao tentar pensar em nada sinto saudade dos meus pensamentos. Saudade de um pensar parecido? De alguém que pense como eu? O interfone toca.

22/03/2011

A Casca da Árvore

Posted in contemporâneo on fevereiro 14, 2011 by érico

Desligo o telefone e as lágrimas vertem de forma descontrolada. Desligo-me do mundo e não consigo pensar em outra coisa. É difícil acreditar que meu velho amigo Flávio acabou de falecer. Sua mulher, ainda chocada, avisara-me que faziam três dias do seu enterro, mas que apenas agora teve tempo de me contar. Queria ter podido ir ao funeral. Levanto e caminho até a porta de entrada do escritório e a tranco. Ainda sem poder segurar o choro, bebo um copo d’água e deito no chão.

Lembro de nossa adolescência, onde sentávamos à beira de uma velha árvore, um Chorão que ficava em uma Praça de Santa Maria. Era lá que conversávamos sobre os planos do futuro. Foi na sombra daquela árvore que eu, Flávio e Lucio decidimos coisas importantes como nossas profissões. Esta árvore havia sido testemunha do nascimento de nossos sonhos que, talvez, muitos deles não tenhamos conseguido colocar na prática. Infelizmente Lucio já havia falecido fazia um bom tempo.

No último natal, quando viajei para o Rio Grande do Sul, visitei em Porto Alegre meu amigo Flávio. Foi inquietante perceber que mesmo após 30 anos a amizade continuava a mesma. A impressão era de que aquele encontro proporcionava com que nossas almas voltassem a ter a juventude de antes. Saí de lá renovado. Porém, antes de ir embora, entreguei para Flávio uma casca da árvore que vivenciou em conjunto nossas experiências. Flávio ficou emocionado com o singelo presente. Suas lágrimas que me disseram. Tive esta idéia quando visitei meu pai, pouco antes de ir para Porto Alegre. Arranquei três pedaços da árvore. Decidi entregar para meus amigos que compartilharam esta etapa da vida. Logo, entreguei um para Flávio e outro para a filha de Lucio. Outro ficou comigo.

Na conversa que tive a pouco pelo telefone, fui informado de que Flávio, quando começou a piorar, pediu para segurar a casca de árvore que eu havia dado. A piora foi tão repentina que logo o carregou para longe de nós. Seu último pedido foi ser enterrado com a casca. E assim foi feito. Como quantificar o significado deste ato? Uma amizade de verdade possui uma raiz igual a daquela famosa árvore. Quem tem uma amizade como esta sabe do que estou falando. Sinto-me culpado por não ter valorizado mais este grande amigo que conseguiu eternizar a nossa amizade. A linha que existe entre conhecidos e amigos é substancial. Então meu amigo, se você só tem conhecidos, sinto muito te dizer, tudo isso que te digo, mas você não entendeu nada do que aconteceu por aqui.

14/02/2011

Obs.: Apenas os nomes desta história são fictícios